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Produtores da Agricultura Familiar se organizam para driblar dificuldades durante pandemia

Publicado em: 27/05/2021

Crédito: Henrique Saunier / IDESAM

Uma força a ser reconhecida, a agricultura familiar no Amazonas é um segmento que tem sentido na pele os efeitos do isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus. A situação tem atingido municípios da região de influência da BR-319, de onde surgem também alternativas para minimizar estes impactos, como a organização de grupos produtivos para comercialização via WhatsApp e para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Só no biênio de 2020/2021, o programa mapeou 2.060 agricultores familiares que irão fornecer 5.350 toneladas de alimentos, gerando uma receita de R$ 13,4 milhões em 61 municípios.

Os números, que já demonstram um aumento de 15% na quantidade de produtores beneficiados em relação ao mesmo intervalo passado (2019/2020), apontam que a agricultura familiar pode ocupar um espaço ainda maior no abastecimento e na qualidade da cadeia alimentar da região. Edilise Costa, militante da causa ambiental e servidora pública que atua no Departamento de Organização Comunitária, da Prefeitura Municipal de Careiro/AM, é uma das pessoas que têm arregaçado as mangas para que isto seja uma realidade cada vez mais próxima.

Desde o ano passado realizando a feira de produtores familiares, respeitando os protocolos de saúde, Edilise se viu obrigada a suspender as atividades com o avanço de novos casos de Covid-19 no Estado. “Os agricultores tinham bastante produção, mas nem todos tinham contratos de fornecimento estabelecidos com lojas, varejões, então tiveram muitas perdas. Conseguimos intermediar a venda de seus produtos pelo WhatsApp para mercadinhos e varejões. Mas com outros não conseguimos contato porque nas suas localidades realmente não funciona o serviço de telefonia e internet”, relata Edilise.

Dentro dos assentamentos acompanhados pelo Departamento de Organização Comunitária, pelo menos dois grupos familiares são de agricultores orgânicos que produzem hortaliças, frutas, legumes, além dos produtos do extrativismo, como castanha, tucumã e açaí.

Crédito: Henrique Saunier / IDESAM

Organização e diálogo

Na sede do município de Careiro, depois do primeiro pico da pandemia, alguns agricultores já conseguiram estabelecer contratos de fornecimento semanal com varejões e mercados locais, uma segurança a mais para que os produtores não sejam pegos de surpresa e consigam se programar melhor financeiramente. Com a pandemia, esses grupos começaram a se organizar por conta própria, sempre estendendo a mão uns aos outros em um ciclo de solidariedade. Para Edilise, essa é uma dinâmica que precisa ser mais presente entre o poder público e os grupos de produtores.

“Percebi que acabaram sendo mais solidários do que já eram. Presenciei casos em que agricultores fretaram carros para levar seus produtos em conjunto para vender, faziam mutirões de trabalho, ajudavam quando outros adoeciam e não podiam ir até a cidade pegar medicamentos. Na minha visão, o poder público precisa dialogar mais para que essas famílias não continuem sofrendo tanto. Existem organizações sociais que também podem dialogar com o governo, desde que todos se permitam a isso. Aqui no Careiro, temos a Casa do Rio que, na medida do possível, promove ações para auxiliar na comercialização desses produtos e possui uma escola itinerante de agroecologia”, declara.

Morador do quilômetro 70 da BR-319 há 45 anos, quando se mudou de Manaus, Roberto de Lima Kettle conta com a ajuda de um filho e uma filha para tocar a produção de cupuaçu, mandioca, banana, açaí, além dos doces de côco e de leite que vende na sua banquinha de frutas na beira da rodovia. Há 10 anos possui a banquinha de frutas, uma das poucas em mais de 100 quilômetros de extensão da estrada, e que passou a dar mais resultados nos últimos dois anos, tendo que fechar subitamente quando Roberto adoeceu de COVID-19.

“O ponto aqui é bom, mas falta estrutura. Principalmente na primeira onda teve uma queda muito grande no fluxo de veículos e também acabei precisando fechar. Agora nessa segunda o movimento caiu também, mas consegui estruturar melhor a banca e colocar mais produtos para estabilizar as vendas. Nós não temos estrutura de um veículo que possa pegar a mercadoria com os produtores, então ficamos dependendo deles trazerem para a gente”, relata Roberto.

Com o isolamento, também aumentaram as dificuldades de escoamento para as três famílias produtoras das quais o senhor Roberto compra itens para vender na sua banca. Totalmente recuperado e de volta ao trabalho, ele agora faz planos de implantar uma pequena horta para vender verduras e hortaliças, que sairão da terra direto para a mão consumidor, tudo à beira da rodovia.

Além da já citada Casa do Rio – que atendeu mais de 480 famílias na região de influência da BR-319 – outras instituições e grupos da sociedade civil têm se mobilizado para que os efeitos negativos da pandemia fossem minimizados. A Rede Maniva de Agroecologia (REMA) é um desses exemplos. Conectando parceiros de diversas áreas, a rede tem promovido campanha permanente para garantir a segurança dos agricultores e agricultoras no período de contágio da Covid-19, viabilizando o transporte de alimentos do campo para a cidade e promovendo a distribuição aos consumidores.

Em conjunto com os movimentos CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura) e o Slowfood, a REMA apoia 80 famílias de agricultores de diversas regiões.

Para Marina Reia, coordenadora da REMA, é preciso fortalecer o processo de organização de base, para que esses produtores cada vez mais tenham acesso a mais mercados e políticas públicas. No Careiro, por exemplo, a Rede Maniva atua junto a grupos de agricultores no assentamento PA Panelão, auxiliando na organização e certificação orgânica, pelo Ministério da Agricultura. “Apoiamos um grupo de 15 famílias produtoras de abacaxi no Careiro da Várzea, há uns três anos, na certificação orgânica participativa. Com o selo em mãos, os produtores estão articulando com o Idam o acesso à venda de produtos para o governo”, cita Marina.

A Rede Maniva também tem fortalecido a produção agroflorestal e organização social de famílias produtoras em outros municípios de influência da BR-319. “Tiveram agricultores que conseguiram vender de forma remota, por grupos de WhatsApp, por exemplo. Conectamos também agricultores orgânicos com doadores para comprar alimentos destes grupos para entregar em localidades de vulnerabilidade social”, ressalta Marina.

Edição 16 – Fevereiro 2021 – Destaques

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